Por Cristiana Couto, de Serra Grande (BA)*
Serra Grande é um lugarejo pacato, no litoral Sul da Bahia, há 420 quilômetros de Salvador. É parte do distrito de Uruçuca, que integra a Costa do Cacau, considerada uma das regiões de maior biodiversidade do mundo, concentrada no Parque Estadual da Serra do Conduru.
O lugar passa por mudanças. De um lado, a chegada de estrangeiros e de brasileiros (particularmente do sul do País), que começam a abrir pequenos negócios em Serra Grande (nos últimos meses, surgiu uma loja de produtos do Nordeste, outra que vende especiarias e uma pizzaria). De outro, iniciativas como a de Cristiniana Rosa, que estão transformando a vida de seus moradores.
Aos 39 anos, Cris, natural de Ibirapitanga, na região cacaueira, movimenta a culinária de Serra Grande com sua Oficina de Gastronomia, aberta há 4 anos. A Oficina não é uma escola qualquer: a ênfase na capacitação profissional de cozinheiras a transforma num local de ensino fundamental para Serra Grande e região, carente de mão-de-obra qualificada. “Tínhamos dificuldade em contratar funcionários para o Txai, pois faltava habilidade na cozinha”, lembra ela, referindo-se ao resort de luxo em Itacaré, onde trabalhou por nove anos. “Entrei como ajudante e cheguei a primeira cozinheira”, orgulha-se ela, que aproveitou ao máximo as oportunidades que teve, como a de fazer cursos com os chefs Edinho Engel (restaurante Amado, de Salvador), Rodrigo Oliveira (Mocotó, SP) e Roberta Sudbrack (RJ) – os dois últimos, oferecidos pela linguista Branca Maria Vianna, para quem trabalha desde 2011.
Certa vez, Cris comentou com uma colega seu desejo de ensinar pessoas a cozinhar. Branca e o marido ouviram o papo e decidiram investir no sonho da cozinheira. Assim nasceu a escola, em 2014. Nela, Cris e a cozinheira Hene Lopes ensinam as bases culinárias voltadas para a região: são seis meses para o aprendizado de técnicas e receitas para café da manhã, almoço e jantar. “Pousadas e restaurantes são as possibilidades de trabalho por aqui”, explica Cris. No programa educativo, entram moquecas, bobós, farofas e outras comidas de dendê, as mais pedidas pelos turistas que visitam o litoral baiano. No jantar, peixes grelhados, massas, sopas e saladas vigoram no cardápio dos hotéis locais, e nas panelas dos alunos da escola. Nesse meio tempo, Cris completou um curso de gastronomia na Anhembi Morumbi, parte dele feito à distância. “Queria me capacitar mais”, justifica.
Na turma de estreia da Oficina, com oito estudantes, estava Branca. “Além de uma excelente cozinheira, ela tem vocação para ensinar”, conta ela, que também elogia o riso fácil, a alegria e simpatia constantes da cozinheira. “Cris é agregadora, e isso também faz o sucesso da oficina”, completa.
A cozinheira baiana, de fato, conta com o apoio de amigos, como Deia Lopes, do bistrô Toca da Tapioca, e Carlos Oliveira, que trabalha em Setúbal, Portugal, e vez por outra aterrissa na escola. “Ensinamos como fazer uma massa al dente, os cortes adequados para peixes e legumes, como utilizar bem o palmito e a banana, tão abundantes por aqui”, explica Cris.
Moradores que defendem a riqueza da região, como Rui Rocha, da Tabôa – ONG que fortalece atividades comunitárias que valorizam a cultura e a diversidade locais –, é outro patrono. Rocha realizou outro desejo da cozinheira e sua trupe ao viabilizar a ida de 28 pessoas a Tiradentes (MG), para um festival de gastronomia. “Voltamos com nosso sonho ainda mais vivo”, comemora ela, que acaba de realizar, com outros tantos apoios, a segunda edição do Festival Arte e Gastronomia de Serra Grande. Neste ano, o tema privilegiou as PANCs locais, como a carne do cacau verde (ainda sem a amêndoa, matéria-prima do chocolate), o biri-biri e o ingá, que povoam as lembranças de infância da cozinheira, surgem nas panelas de sua escola e viraram as estrelas nas mãos de grandes chefs durante o festival.
Serra Grande no prato
Cacau verde, biri-biri, ora-pro-nóbis, bertalha, taioba, amaranto, beldroega. Esses ingredientes, tão comuns no sul da Bahia, ganharam destaque nas mãos chefs convidados para o II Festival de Arte e Gastronomia de Serra Grande, que aconteceu entre 11 e 13 de outubro.
A ideia do evento foi ampliar o conhecimento dos produtos locais, tanto pelos moradores quanto por profissionais da área e turistas. “Escolhemos chefs que aderissem ao tema e que pudessem promover a troca de saberes com os cozinheiros locais, o que incentiva o turismo cultural e o empreendedorismo local”, explica a chef Ciça Roxo, curadora do evento.
Barracas com produtos como chocolate dividiram espaço com shows de musicais e aulas de cozinha, em que cozinheiros locais e convidados dividiram as panelas. Fred Caffarena (Firin Salonu, em São Paulo) preparou, com Carlos Oliveira, um dolma (prato turco, com legumes recheados) de cacau verde recheado com frango caipira e flocão de milho, homus de pipoca e picles de semente de quiabo. Para acompanhar o caruru de folha de batata doce de Cris Rosa, Ciça preparou farofa de umbigo de bananeira e coentro. “Cris é uma cozinheira de mão cheia, firme e gentil”, elogia Ciça. “Ela me encantou com sua vontade de compartilhar o que sabe”, completa. Participaram do festival, também, os chefs Guga Rocha, Claudemir Barros (Oleiro, Recife) e a consultora e chef Rô Gouveia (RJ).
*a jornalista viajou a convite do Festival Arte e Gastronomia de Serra Grande
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