por Beatriz Marques
Mais óbvio impossível: o serviço, em restauração, vem de servir (os pratos, as bebidas, as sobremesas) aos convivas. Esta é a missão do salão. Um compromisso incontornável, mas que pode adotar estilos distintos. Se antigamente isso significava à moda francesa ou russa, hoje a questão independe de nomenclaturas: o importante é garantir uma experiência feliz – e não, isso não é papo de botequim. Aliás, essa tal filosofia nunca foi tão levada a sério.
“Décadas atrás, maîtres eram as estrelas dos restaurantes. Naquele momento, finalizar pratos no gueridom, fatiar assados e desossar peixes diante do cliente eram a norma em grandes casas. Quando a cozinha e os chefs assumem a narrativa, com grande influência da Nouvelle Cuisine, gradualmente vemos os profissionais de sala se ofuscarem. O que vejo agora é que precisamos caminhar para um ponto equilíbrio, onde chefs, maîtres, sommeliers, bartenders dividem os holofotes”, defende Rodrigo Oliveira.
Há cinco anos, o chef do Mocotó e do Balaio reuniu colegas, educadores e empresários para discutir um curso de graduação focado no assunto: “Assim como a graduação em gastronomia ajudou a mudar a perspectiva de cozinheiros em todo o mundo quanto à carreira junto ao fogão, via em um novo curso a oportunidade de ouro para jovens com vocação para a hospitalidade ou mesmo profissionais experientes terem acesso a ferramentas para fazerem o mercado evoluir como um todo.”
Na época, a ideia pareceu para lá de avançada. Hoje, enfim, ela tomou a forma do primeiro curso superior de Serviços de Sala e Bar no Brasil, no Centro Universitário das Américas (FAM), em São Paulo. Voltado a garçons, bartenders e interessados pela área, a graduação de dois anos é coordenada por Marcelo Malta, mestre em hospitalidade, com pesquisa relacionada à educação em gastronomia: “Cozinha boa é obrigação, mas é o atendimento que leva o cliente à satisfação total. Uma escorregada na cozinha pode ser corrigida pelo atendimento, mas um atendimento ruim simplesmente fecha portas. Então, mais do que profissionalizar essas brigadas, vamos valorizar essa atuação, para os profissionais se orgulharem”, diz Malta.
Foi dada a largada para um upgrade no mercado da restauração brasileira. Envolvido no projeto, o empresário Ricardo Garrido enxerga uma continuidade de seu próprio trabalho. Um dos fundadores da Cia. Tradicional de Comércio (grupo por trás de 10 marcas, entre elas, Astor, Bráz Pizzaria e Pirajá) relembra que, há 22 anos, a semente foi plantada com o boteco Original, no bairro paulistano de Moema: “Nós, os sócios, não éramos nem bartenders, nem cozinheiros, mas sacamos que a hospitalidade seria o diferencial. Partimos com a cabeça de um cliente comum e buscamos gente que gostasse de gente para formar a equipe.”
Nesse sentido, no tal botequim, tão essencial quanto o chope impecável, sempre foi a assistência do garçom, “sem muita regra, mas com carinho”, como define Garrido. Algo que nunca dependeu de treinamento intensivo, mas de “bom coração, que cativa habitués e os leva a repetir sempre a mesma praça numa das casas da CTC, seja a do César, há 15 anos no Pirajá, ou o balcão do Pereira, ops, do Astor, desde 2001. “No serviço, o erro mais comum é a falta de organização, mas o pior é a mentira. Para que vender gato por lebre? Conquistar a confiança é difícil, então, por que quebrá-la? Tem uma ética em jogo”, emenda o expert.
Na prática, o staff do grupo, com garçons uniformizados, naturalmente elegantes e atenciosos, remete a restaurantes clássicos, daqueles em que outrora o serviço era feito com luvas e implicava empratamentos precisos e outros pequenos mimos. Luvas à parte, coisa que até hoje acontece no La Casserole, bistrô instalado há mais de 60 anos no Largo do Arouche, no centro de São Paulo.
Juliana em ação: na entrega da moqueca de caju aos clientes e servindo limoncello para acompanhar a sobremesa com figos, mel e erva-doce
Lá, atmosfera e cardápio parisienses são mantidos pela segunda e terceira geração dos fundadores, ou por Marie-France Henry e seu filho, Leo. O atendimento parece saído de um túnel do tempo: é o garçom que traz à mesa 200 gramas de filé-mignon picado na ponta e incorpora cebola, alcaparra, salsinha, mostarda, ketchup, sal, pimenta e azeite, garantindo um dos melhores steak tartares da cidade; é ele que cirurgicamente tira os espinhos da truta e do linguado, destrincha o gigot d’agneau (pernil de cordeiro), emprata o filé au poivre e, claro, flamba a calda cítrica do crêpe suzette.
“O serviço de sala perdeu importância com a Nouvelle Cuisine, quando os chefs começaram a empratar suas criações. No La Casserole, a gente sempre partiu do princípio que cozinha e salão andam intimamente juntos para garantir uma experiência única. Se na cozinha, a técnica é a de picar a carne na ponta da faca para um bom tartare; no salão, a técnica é a do tempero, do cuidado e do preparo adequados, por exemplo. Gestos rápidos e elegantes são imprescindíveis, o que depende muito do prazer de envolver o cliente e de transmitir emoção”, explica Marie.
O espetáculo à la Casserole é herdeiro do serviço russo do século 19 – uma sofisticação da arte de servir, com mais gente em função de uma mesa de jantar. Afinal, já não bastava acomodar os pratos à frente dos convidados, passou a ser preciso orquestrar a refeição. Não à toa, virou raridade em oposição a uma certa “casualidade”.
Movimentando a Avenida Paulista há 30 anos, o restaurante Spot deu o pontapé inicial a esse acolhimento até hoje tido como “moderninho”. “No começo, o staff era só gente de teatro, porque era um lugar arejado, que deveria ser uma passagem para o garçom virar o que quisesse da vida. É uma tendência nos grandes centros formadores de opinião e deu muito certo. As pessoas gostam de trabalhar lá”, justifica Maria Helena Guimarães, uma das sócias.
Gostam tanto, aliás, que há gente a postos há 18 anos. José Barros começou como garçom, mas há uma década é o gerente geral da marca que recebe cerca de 14 mil pessoas por mês na unidade Paulista e outras 12 mil no Shopping JK. É quem bota em prática um treinamento espartano de 21 dias: estudo de apostila, prova, atendimento com o restaurante fechado, avaliação de comportamento. É também quem incute a sequência de trabalho: de avistar o cliente a entregar a conta sem surpresas no final. “O feeling garante o bom andamento, porque o garçom se coloca na pele do comensal e estabelece cumplicidade”, completa Maria Helena.
Méritos à parte, como ir além? “Imagino o futuro do serviço cada vez mais preciso e personalizado. Além da tecnologia disponível que nos permite desde traçar um perfil do comensal antes mesmo da primeira visita até delinear padrões de consumo de clientes habituais, temos acesso a trabalhos de psicologia e neurociência que nos ajudam a entender melhor como a experiência de uma refeição extrapola o fisiológico”, argumenta Rodrigo Oliveira.
E, bem, o cozinheiro parece certo: os últimos restaurantes a alcançarem a posição número 1 na lista do World’s 50 Best têm figuras marcantes na sala – o maître Giusepe Palmieri (na Osteria Francescana, em Modena, na Itália), o sommelier Josep Roca (no Celler de Can Roca, em Girona, na Espanha) e o restaurateur Will Guidara (do Eleven Madison Park, em Nova York) são prova cabal.
5 serviços profissionais
Ok, as regras de etiqueta parecem ter caído por terra. Ainda assim, relembrar é viver, não é mesmo? Entenda aqui os vários tipos existentes:
Plat sur table (prato sobre a mesa)
O mais corriqueiro na primeira metade do século 20 era colocar o prato na mesa, à direita do cliente, com os talheres voltados para este se servir.
Inglês
O garçom traz o prato e o coloca na frente dos comensais. Em seguida, com a ajuda de uma colher e um garfo de serviço em sua mão direita, serve pela esquerda cada cliente, sempre começando pelas mulheres. Até hoje é o serviço “correto” para os banquetes.
Francês
Originalmente, na Idade Média, os convidados, em pé, serviam-se em uma mesa com todos os pratos à disposição. Um princípio que ganhou o nome de “buffet”. Hoje, esse tipo de serviço refere-se a levar à mesa os pratos pedidos pelos convidados, que se servem diretamente.
Russo
O mais elegante dos serviços começou no século 19 e a grande vantagem foi permitir que se comesse comida quente. Afinal, os pratos são trazidos à mesa, com todos sentados, apresentados e servidos em porções numa sequência lógica, sempre com os assados (em temperatura exata) protagonizando a refeição.
Americano
Os pratos saem prontos da cozinha e são trazidos à mesa pela direita, começando pelas senhoras. Um serviço mais ágil, que permite equipes mais enxutas nos salões e que fazem dos chefs, preparadores oficiais dos pratos, as grandes estrelas das casas.
Balaio IMS
avenida Paulista, 2.424, térreo –
Bela Vista
(11) 2842-9123 – São Paulo – SP
balaioims.com.br
La Casserole
Largo do Arouche, 346 – centro
(11) 3331-6283 – São Paulo – SP
lacasserole.com.br
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