Não está sendo fácil. E nem é meme ou hit brega dos anos 80. É fato. Durante essa pandemia, o Siga o Copo (este blog de uma mulher só) tem sofrido com a pouca energia que sobra quando não se está na labuta, na insônia ou na reza por uma vacina e dias melhores.
O antídoto, no entanto, é bater-papo — como dá — com gente fina, elegante e sincerona. Essa é a proposta desse título acima e da conversa abaixo: falar com o pessoal cervejeiro de coração e cabeça aberta. Nem todo mundo quer, nem todo mundo topa, nem todo mundo enxerga a necessidade de encaramos o mercado cervejeiro (e a vida, né) com menos filtro e mais coragem. Vamos ver no que dá.
O primeiro a aceitar umas perguntinhas que não estão nos releases ou nos posts de beer influencers foi Humberto Ribeiro, dono do Soul Botequim, de São Paulo.
Você só bebe cerveja artesanal?
Sempre que me fazem essa pergunta eu fico pensando: ‘que sujeito chat eu seria se me limitasse a tomar somente o artesanal’.
De todas as amostras que recebo no Soul, invariavelmente a aprovação fica abaixo de 10%. Então, mainstream entra, sim, na minha geladeira, sem problemas.
Óbvio que mais esporadicamente, pois como trabalho com curadoria de produtos artesanais tem muita coisa que eu preciso experimentar e o mercado cervejeiro tem produzido muito acima da minha capacidade de provar.
Já tomou cerveja famosa no meio artesanal e achou ruim?
Muitas! Quantos “bottle share” (compartilhar garrafas) fizemos em que pagamos o olho da cara em cervejas bem avaliadas e quando dávamos o primeiro gole nela….mas faz parte e vejo uma beleza nisso. O imperfeito tem esse poder de nos mostrar que o fora de padrão e no craft isso fica em evidência.
Qual estilo artesanal não te desce de jeito nenhum?
Ainda estão para inventar, mas não sou muito fã das pastry stouts que levam marshmallow e maple syrup. Prefiro ingredientes nacionais e não-industrializados.
Já deu uma de “manjão cervejeiro”? Que acha do pessoal que não larga o osso-sommelier?
Ah, certamente! Quem nunca! No Brasil, a cerveja sempre foi muito mal tratada, né? Em meados de 2009, nosso posicionamento era mais radical nesse sentido. Precisávamos gritar um pouco mais, o mercado era composto por meia dúzia de malucos.
Já “sommelier” é um título. Acho bacana quem tem condições de estudar e temos escolas muito sérias no mercado e profissionais excelentes que, difundindo conhecimento, nos ajudam a nos aproximarmos do grande público.
Agora tudo tem seu momento, um feedback solicitado por um cervejeiro, uma crítica bem exposta tem seu valor mas quando te pedem. Análogo a pessoa que fala somente de si e produz monólogos… chato pra caramba!
O que a cerveja tem de melhor, em uma frase?
Qualidade de vida. Na medida que ela expande seus horizontes sensoriais e te convida a desacelerar e viver intensamente o momento através dos seus sentidos.
Tens algum “guilty plesure” cervejeiro?
No Soul e muitas vezes em casa tomo no copo americano mesmo, me remete a um tempo mais simples, mais analogico.
Que acha de Ambev, Heineken e Petrópolis?
Acho que são indústrias muito competentes em seus campos de atuação. Eu, particularmente, admiro muito o trabalho de branding da Heineken e, entre as três, é a que mais gosto. Trabalho, inclusive, com a Lagunitas.
Sobre a AMBEV, pouco tempo antes de abrir o Soul eu recebi uma proposta para ser o ‘’Brand Manager Experience’’ da marca aqui no Brasil, mas na época não fazia sentido para minha vida. Eu vinha de uma grande organização e, apesar de querer muito trabalhar com cerveja, meu foco era em algum projeto que me desse total liberdade de fazer o que eu realmente acredito, da maneira como eu acredito.
Já sobre a Petrópolis, confesso que tenho pouco conhecimento. Observando de longe, a impressão que me transmite é a de que repete fórmulas antigas. A minha sensação é a de que ainda não acharam o caminho para atuar com expressão no nosso meio.
Por que resolveu ter um bar cervejeiro?
Sou apaixonado por gente e queria ter um espaço que tivesse essência, sem afetação e que acolhesse as pessoas de verdade. Rodei todos os estados ao longo desse tempo e vi muitas coisas de valor sendo produzidas do norte ao sul e queria ter uma casa que amplificam essa mensagem de produtos com ”soul”. Queria ser essa ponte, um lugar que catalisam a cena craft e que oxigenasse a vida das pessoas que por ali passassem.
Qual teu balanço desse negócio até hoje? Dá dinheiro? Recompensa em algum sentido? Fez amigos? Influenciou pessoas?
O Soul é um bebê de três anos que cresceu rápido e de forma orgânica, e que tem a sorte de ter ao seu redor uma comunidade de cervejeiros, de músicos e de pessoas que realmente se identificam com a marca e com o seu propósito.
Quando se fala de dinheiro em varejo não existe mágica, ele não vem a curto prazo. E o que vem é necessário reinvestir e nutrir. Até hoje a minha retirada de lucro anual sempre foi zero. E será assim por mais alguns anos. Estou disposto.
Recompensa, sim…eu abri mão de muita coisa pelo Soul, como estabilidade financeira e tempo com a minha família e amigos. Mas eu não me arrependo. Fiz muitos amigos e sou muito grato a todos eles.
Quanto a influenciar pessoas, sei que o Soul já virou referência e fico muito feliz com isso, mas eu, pessoalmente, não tenho essa pretensão, não.
Como está nessa pandemia? Tem medo do que virá em termos de negócios? E do mercado cervejeiro?
Foi um susto. Estávamos olhando para a expansão e negociando com possíveis investidores, agora vamos olhar pra dentro e nos adaptar.
Medo acredito que não. Estou apreensivo, mas isso diz muito mais sobre questões internas do que sobre o negócio.
Eu tenho procurado enxergar a crise como um processo catalisador. Quem achava que era só abrir uma porta, sem conceito, e plugar chope em uma câmara fria… vai sentir na pele que nunca se tratou disto.
Pretende reabrir o bar assim que o prefeito autorizar?
É muito especulativo, ainda. A minha opção desde o começo foi não colocar a minha equipe em risco. A equipe inteira está em casa. Estamos aqui no dia a dia tocando o bar somente eu e o Junior, que é o gerente, muito focados nas bebidas de delivery.
Então, a minha prioridade é manter essa premissa de segurança. Quando eu estiver apto para abrir com os protocolos indicados, vou abrir.
Lembrando que o Soul tem uma característica que é muito boa para o momento, a gente é um espaço inteiramente aberto e altamente ventilado, tem grandes portas, grandes janelas e a calçada. Isso torna muito favorável aqui para nossa volta.
A gente entende, inclusive, que com essas características existem pouquíssimos pontos em São Paulo.
Qual vai ser seu primeiro ato cervejeiro quando passar a pandemia?
O mais simples de todos. Brindar no Soul com todos aqueles que fazem parte dessa imensa família.
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